Mais que um nome para uma unidade de saúde, as personalidades que batizam aos centros de atenção psicossocial (CAPS) da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS) são figuras importantes na luta pelos direitos das pessoas com transtornos mentais, seja pelo ativismo político ou pela doçura e sensibilidade de dialogar com o público. A escolha cuidadosa dos nomes ajuda na proximidade e identificação com os usuários, potencializando o trabalho desenvolvido nos mais de 30 CAPS da cidade. O modelo assistencial adotado nessas unidades de saúde é uma herança da luta antimanicomial, movimento que tem no dia 18 de maio a data de mobilização para ressaltar a defesa dos direitos das pessoas com transtornos mentais e do cuidado humanizado e em liberdade. Sem amarras, grades ou sofrimento, com garantia da cidadania.
“Mais do que uma homenagem, batizar nossas unidades com os nomes dessas pessoas ilustres é uma forma de desestigmatizar a loucura. Muitos são artistas, escritores, atores, cantores, mostrando que transtornos mentais podem acontecer bem perto de nós e com ícones nossos. Outros são defensores de uma psiquiatria mais humanizada, uma luta que devemos prestigiar sempre. Saúde mental não deve ser motivo para pessoas serem excluídas, mas acolhidas. Nossa pesquisa para escolha dos nomes dos CAPS busca o tom da aproximação e empatia da comunidade”, diz o superintendente de Saúde Mental da SMS, Hugo Fagundes.
O CAPS Franco Basaglia, em Botafogo, por exemplo, homenageia o importante psiquiatra italiano que foi um dos precursores do movimento de reforma psiquiátrica. Em sua trajetória, ele compreendeu que seriam necessárias transformações profundas na assistência psiquiátrica e nas relações entre a sociedade e a loucura. Basaglia criticava a psiquiatria clássica, que partia do princípio do isolamento do louco, produzindo mais sofrimento pelo isolamento social e pela violência das suas intervenções. Ele defendia que a psiquiatria necessitaria contar com profissionais que fossem capazes de lidar com a complexidade da loucura.
Já o CAPS Arthur Bispo do Rosário, em Jacarepaguá, foi batizado com o nome de uma das figuras mais impressionantes do Brasil do século XX. Artista com reconhecimento póstumo, Bispo do Rosário viveu cinco décadas no manicômio, a antiga Colônia Juliano Moreira, onde morreu aos 80 anos. Imprimiu a sua marca singular e deixou um legado para a cultura brasileira, transformando-se em um dos mais importantes artistas contemporâneos. Suas obras foram apresentadas na Bienal de Veneza, na Mostra 500 anos de Brasil, em Nova York, e atualmente está em cartaz na galeria da Americas Society, também na cidade americana, com a exposição Bispo do Rosario: All Existing Materials on Earth (Todos os Materiais existentes na Terra).
O Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) Maria Clara Machado, em Todos os Santos, e o Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (CAPSad) Raul Seixas, no Encantado, também têm forte referência para os serviços que oferecem.
Os CAPSi são unidades que precisam lidar com transtornos psicossociais em uma das fases mais delicadas da vida: a infância e adolescência. E poder contar com um nome de peso como o de Maria Clara Machado reforça a importância da exploração do universo lúdico como ferramenta terapêutica. Ela, que é considerada a maior autora de teatro infantil do país, foi também escritora, dramaturga e atriz. Além de ser a fundadora do “Tablado”, uma importante escola de formação de atores. São de autoria dela clássicos do teatro infantil como “Pluft, o fantasminha” e “O Cavalinho Azul”.
Já Raul Seixas dispensa apresentações. Cantor, compositor, guitarrista e produtor, ele foi um dos artistas com maior destaque no rock nacional. Entre suas músicas famosas destacam-se: “Maluco beleza” e “Eu nasci há 10 mil anos atrás”. Essa ilustre personalidade nos deixou com apenas 44 anos, depois de um longo histórico de uso abusivo de álcool.
A Secretaria Municipal do Rio de Janeiro avançou muito no processo de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos nos últimos anos, com a implementação da rede de cuidados dos centros de atenção psicossocial e dos serviços residenciais terapêuticos (SRTs) como novo modelo assistencial, e com o encerramento das internações nos dois últimos grandes hospícios da cidade, em 2021 e 2022 – processo que segue os preceitos da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Os centros de atenção psicossocial (CAPS)
Os centros de atenção psicossocial prestam atendimento a pessoas com transtorno mental severo e persistente, e/ou com transtorno mental decorrentes do uso prejudicial de álcool e/ou outras drogas, e trabalham em constante articulação com as demais unidades de saúde e com unidades de outros setores (educação, assistência social, etc).
As unidades oferecem atendimento interdisciplinar, com equipe multiprofissional que reúne psiquiatra, enfermeiro, assistente social, psicólogo, agente territorial, entre outros. São realizados atendimentos individuais, em grupo, com familiares, visitas domiciliares e oficinas terapêuticas, trabalhando na lógica da redução de danos, da desinstitucionalização e reabilitação psicossocial.
A Prefeitura do Rio conta com 18 centros de atenção psicossocial (CAPS), sete centros de atenção psicossocial álcool e outras drogas (CAPSad) – dois deles com unidades de acolhimento de adultos (UAA) – e oito centros de atenção psicossocial infantojuvenil (CAPSi), totalizando 33 unidades.
O acesso aos CAPS pode ser feito por demanda espontânea, por intermédio de uma unidade de Atenção Primária, especializada ou hospitalar. Os CAPS funcionam de segunda a sexta, com atendimento das 8h às 17h. Os CAPS III tem funcionamento 24h, durante os sete dias da semana, oferecendo a possibilidade de acolhimento noturno para quem já é atendido, conforme avaliação da equipe.
Confira a série de matérias que contam a história dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS):
– CAPS Profeta Gentileza, CAPSi João de Barro e os CAPSad Antônio Carlos Mussum e Paulo Portela.