Os novos usos da Acupuntura

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As agulhas estimulam determinados pontos que ativam áreas do cérebro, refletindo em maior irrigação sanguínea e liberação de substâncias que vão beneficiar todo o corpo.
Há mais de dez anos reconhecida como especialidade médica no Brasil (iniciativa tomada pela Organização Mundial da Saúde em 1979), a Acupuntura tem expandido seu potencial de utilização, alcançando grande número de doenças nas quais tem se revelado capaz de ajudar terapeuticamente. Nos últimos 30 anos, a pesquisa científica produziu um volume considerável de dados, elucidado os mecanismos de ação, a eficácia clínica e a segurança do uso médico dessa técnica.
Fibromialgia e uma série de outras síndromes dolorosas, a DORT (Doença Ocupacional Relacionada ao Trabalho), síndrome do intestino irritável, transtornos emocionais, doenças degenerativas e até bruxismo, a rangedura noturna de dentes que resulta em geral de quadros ansiosos. “Hoje não temos dúvidas em afirmar que essa técnica milenar se configura como um dos mais importantes instrumentos da medicina contemporânea”, afirma o médico Dirceu de Lavôr Sales, presidente do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura. Custos mais baixos e menor ocorrência de efeitos adversos, em comparação com outros meios terapêuticos, são vantagens destacadas por ele.

Mais do que alívio

No Brasil, há um nicho acadêmico, o Setor de Medicina Chinesa – Acupuntura da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no qual a técnica já foi incorporada ao dia-a-dia do atendimento ambulatorial de um vasto número de doenças: nas sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), nos distúrbios de sono, no estudo das emoções como fator de doença, principalmente em gestantes, nos distúrbios eréteis. Segundo Ysao Yamamura, chefe do setor e vice presidente da Associação Médica Brasileira de Acupuntura (AMBA), todos os estudos são embasados nos princípios da medicina tradicional chinesa.
“No ocidente, a Acupuntura é conhecida como recurso para aliviar dores, no entanto a medicina tradicional chinesa é mais ampla, podendo tratar todas as doenças, exceto os casos com indicação cirúrgica.” Atualmente, os vários médicos que se especializaram no uso das finíssimas agulhas como recurso terapêutico na Unifesp utilizam a técnica da Mobilização de Qi Mental. Nela, as emoções são vistas como fator causador de doenças.

A técnica

A Acupuntura se baseia na introdução de agulhas de 0,25mm de diâmetro, em pontos do corpo com fartura de enervação periférica. O princípio da técnica é a de que, quando esses pontos são estimulados, áreas do cérebro são ativadas, refletindo-se em maior irrigação sanguínea e liberação de substâncias que vão beneficiar todo o corpo. A substância age como potente analgésico nos nervos periféricos, que se prolongam por braços, pernas e tronco.
Ysao Yamamura explica que existem dois mecanismos de atuação da acupuntura: a teoria chinesa dos meridianos, e a do Qi (energia) que circula neles e que estariam na origem das doenças. As agulhas propiciariam melhor circulação ao longo desses circuitos energéticos, daí obtendo-se a melhora clínica. “na realidade, o mecanismo é neuro-humoral, isto é, a acupuntura promove a liberação de neurotransmissores e de hormônios que vão ter efeitos nos órgãos internos e promover o alívio da dor.”

Como age

Muita gente se pergunta como, afinal, a inserção de uma agulha em pontos específicos do corpo age terapeuticamente? Dirceu de Lavôr Sales explica o que acontece quando a agulha atravessa a pele, a gordura e, ao chegar ao nível muscular, estimula uma terminação nervosa.
“Esse estímulo é transmitido através de vias específicas para várias regiões do sistema nervoso, incluindo medula, encéfalo, hipotálamo sistema límbico (organização do sistema nervoso central que controla as emoções), entre outros que, em resposta, levam a um incremento de uma série de substâncias, os neurotransmissores: serotonina, noradrenalina, dopamina. São essas substâncias que influenciam nossas emoções, prazeres e sensação dolorosa. São também elas que agindo na nossa circulação sanguínea ou mesmo em determinadas estruturas nervosas, irão desencadear as ações da acupuntura nos vários sistemas orgânicos. “Os trabalhos da acupuntura, conforme Sales, incluem alguns importantes efeitos: analgésico, relaxante muscular, antiinflamatório, imunorregulador.

Dor do parto sob controle

A técnica já chegou às gestantes em trabalho de parto no Cetro de Atenção Integral à saúde da mulher (Caism), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A obstetra e especialista em acupuntura Roxana Knobel estudou a utilização do método para aliviar a dor durante o processo de dilatação que antecede o parto. As mulheres do grupo placebo receberam três vezes mais drogas, analgésicas e/ou tranquilizantes, do que as tratadas com acupuntura. Ela também observou o dobro de cesáreas no grupo que não utilizou a acupuntura, devido à intensidade da dor. A técnica também se mostrou segura, pela ausência de efeito colateral para mães e bebês. “A acupuntura é extremamente segura na gravidez e com certeza deve ser a primeira escolha em várias das patologias ou disfunções que afetam a qualidade de vida da gestante”, afirma o médico João Bosco Guerreiro da Silva, professor adjunto da faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP). Dor lombar, insônia, alterações emocionais e digestivas são problemas que podem ser tratados com o recurso das agulhas.

Nas doenças neurodegenerativas

Doenças neurodegenerativas e desmielinizantes como Alzheimer e Esclerose Lateral Amiotrófica, são tratadas regularmente há quatro anos no Setor de Medicina Chinesa – Acupuntura da Unifesp. Segundo a médica clínica e cardiologista Cláudia Misorelli, também acupunturista, são utilizados todos os recursos da medicina ocidental, alopática, e da medicina tradicional, energética. Segundo ela descreve, a acupuntura nessas doenças progressivamente incapacitantes fortalece todo um lado desorganizado do sistema nervoso central, sem deixar de lado o tratamento alopático. Os resultados observados nos 25 pacientes acompanhados desde o início do trabalho têm sido animadores, conforme a médica, apesar de ainda não publicados. Uma entusiasta das possibilidades da técnica, Cláudia afirma que a comprovação do mecanismo da acupuntura em diversas situações clínicas já a distanciou do antigo estigma de “tratamento alternativo”. “É real, age sobre o sistema nervoso central, libera neurotransmissores e substâncias químicas: auxilia real e comprovadamente, é reconhecida pela OMS como especialidade médica e deveria ser tratada como tal.”

Na infertilidade masculina

Um estudo da Unifesp realizado há oito anos analisou os efeitos da acupuntura na fertilidade masculina. Foram acompanhados 19 homens que tinham espermatozóides de baixa qualidade. Desses, 10 receberam agulhadas em pontos específicos. Nos outros 9, as agulhas foram colocadas em pontos falsos. Segundo o urologista e acupunturista Edson Gurfinkel, autor do trabalho, os exames mostravam a qualidade, motilidade (capacidade de locomoção) e forma dos espermatozóides. Não houve mudanças nos dois primeiros, mas em termos de morfologia os resultados foram favoráveis, com aumento de 25% na quantidade de gametas com forma normal. O objetivo do estudo foi avaliar se a técnica de acupuntura poderia ser utilizada em casos de oligoastenozooespermia – baixa quantidade de esperma. Em alguns casos o aumento foi até maior, pois a taxa de espermas normais saltou de 3% para 9%, explica Gurfinkel. De acordo com o médico, para que ocorra fertilização com facilidade, o índice de um homem fértil deve ser de 14%. No grupo estudado havia casos em que esse percentual era apenas de 2%.

Na reprodução assistida

Pesquisa recente envolvendo centros especializados na técnica da fertilização in vitro, no Colorado e Novo México (EUA), concluiu que a combinação com a acupuntura pode elevar em 26% as chances de ter um filho entre mulheres submetidas a pelo menos 11 sessões com agulhas. A explicação dos pesquisadores é que a acupuntura beneficia o fluxo sanguíneo do útero, ajudando a direcionar os medicamentos utilizados na fertilização diretamente para os ovários, enquanto prepara o terreno uterino para a chegada do embrião. Outro fator positivo é o alívio do estresse promovido pela técnica, um dos problemas que podem estar relacionados à infertilidade. O efeito produzido pelas agulhas é particularmente útil em mulheres hiperansiosas por uma gravidez. A psicóloga norte-americana Gayle D. Crespy, que trabalha com um programa de infertilidade desenvolvido pelo Mind and Bodu Medical Institute, associado à universidade Harvard, afirma que mulheres com alto nível de depressão e estresse têm baixos níveis de fertilidade. E a depressão e o estresse são resultado da infertilidade. Isso cria um círculo vicioso. Ela inclui sessões de acupuntura e ioga no programa contra a infertilidade.

Na depressão

Com o título “A eficácia da acupuntura em depressão severa em mulheres”, pesquisadores norte-americanos publicaram estudo há dez anos comparando duas modalidades de acupuntura, placebo e real. Aproximadamente 64% das pacientes apresentaram melhora, mas o grupo tratado efetivamente com agulhas nos pontos energéticos registrou melhor resultado. Outro trabalho publicado por autores chineses na década de 1980 comparou a técnica milenar com um antidepressivo, tendo observado melhora de 70% e 65%, respectivamente. A médica Maria do Socorro Paiva de Oliveira, da Unifesp, estuda há cerca de dez anos os processos emocionais. Um dos seus trabalhos foi pesquisar as emoções em pacientes transplantados renais que estavam em processo de rejeição do rim transplantado. “Usamos a abordagem ao inconsciente, trazendo ao consciente possibilidades de mudança de significados”, explica. Emoções reprimidas durante a vida, ambiente familiar e alimentação desregrada, como também a fadiga ou estresse, todos esses fatores repercutem na energia (Qi) do indivíduo.

Especialidades que já usam a técnica

Dirceu de Lavôr Sales é categórico: a acupuntura tem indicações precisas como método preferencial ou complementar nas disfunções relacionadas à maioria das especialidades médicas. Veja os exemplos citados:
• Ginecologia: tensão pré-menstrual, dor menstrual, cefaléia menstrual, infertilidade, hemorragia uterina disfuncional.
• Neurologia: cefaleia, neuralgia o trigêmeo, paralisia facial, seqüelas de acidente vascular cerebral (AVC), dor neuropática.
• Psiquiatria: depressão, ansiedade generalizada, pânico.
• Gastroenterologia: síndrome do intestino irritável, gastrite, úlcera péptica, constipação.
• Reumatologia: fibromialgia, artrite reumatóide, Lúpus Eritematoso Sistêmico.
• Pneumologia: asma brônquica.
• Otorrinolaringologia: rinite, sinusite.
• Fisiatria: síndrome dolorosa miofascial.

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