No bairro de Pitangueiras, na Ilha do Governador, as visitas da equipe do Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso (PADI Ilha) a um paciente sempre começam e terminam em samba. É lá que mora Vicente Venâncio da Conceição, o Vicentinho da Imperatriz, um dos compositores do antológico “Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós”, de 1989, considerado um dos mais belos sambas enredos da história do Carnaval carioca. Diabético e com vários problemas associados, o sambista de 67 anos conta sempre com seus “anjos da saúde”, como chama os profissionais no samba que compôs especialmente para a equipe que o acompanha desde 2017.
“Podem entrar / A equipe do PADI chegou / São os anjos da saúde / Dela cuidam com amor / Eles nos dão a receita da felicidade / Muitas doses de carinho, paz, amor e amizade / Comprimido de alegria cura até a depressão / E pomada de esperança massageia o coração”, diz parte da letra escrita por Vicentinho em homenagem à equipe que o assiste sempre em casa. A equipe do PADI é formada por médica, enfermeira, técnica de enfermagem, nutricionista, fisioterapeuta, psicóloga e fonoaudióloga.
“É muito bom poder contar com a equipe do PADI. Eles cuidam de mim com muito carinho. Eu nem sabia o que era PADI quando eles vieram até mim. Eu ainda estava internado no Hospital Municipal Souza Aguiar e eles disseram que poderiam cuidar de mim em casa”, conta o compositor, que não dispensa as longas conversas e cantoria com seus “anjos da saúde”.
Filho de um dos fundadores da Imperatriz Leopoldinense, também Vicente Venâncio, Vicentinho tem o coração verde e branco – cores, por sinal, escolhidas para a agremiação por seu pai. Na escola, foi diretor de ala, ritmista (tocou vários instrumentos), até chegar à ala dos compositores, em 1984. O samba antológico em parceria com Niltinho Tristeza, Preto Joia e Jurandir foi composto pelo grupo na casa de Niltinho, entre “copos de cerveja e uma comidinha boa” e, além do sucesso, rendeu ao sambista, em prêmio e direitos autorais, o dinheiro para comprar seu primeiro imóvel próprio. O segundo, o apartamento onde mora hoje com a esposa Nalva, foi comprado com os recursos de outro samba campeão: “A viagem da pintada encantada”, de 1996, da União da Ilha do Governador, sua segunda escola do coração.
Samba do PADI nasceu como atividade terapêutica
Se para o “Liberdade! Liberdade!” Vicentinho contou com parceiros consagrados e um enredo histórico para transformar em música, para o “Samba do PADI” bastou a provocação de uma das profissionais de saúde para ele contar em música e poesia a importância da equipe do programa em sua vida. Boêmio incorrigível, Vicentinho herdou do pai não só o nome, o amor pela Imperatriz Leopoldinense e pelo samba, mas também a diabetes e uma das maiores complicações da doença crônica quando não tratada: ambos tiveram que amputar as duas pernas. E foi aí que o PADI entrou na história do sambista.
“Assumimos o cuidado de Vicentinho logo depois de ele ter amputado a primeira perna. À época, estava muito abatido e a psicóloga da equipe sugeriu que ele voltasse a compor e fizesse um samba para nós, e foi assim que nasceu o “Samba do PADI”, conta a coordenadora do PADI Ilha, a médica Guilhermina Galvão, um dos “anjos da saúde” citados na letra do paciente sambista. Depois de negligenciar por 30 anos os cuidados com a diabetes, devido à vida boêmia do samba, Vicentinho hoje, além de ter passado pelas amputações das duas pernas, precisa se submeter a três sessões semanais de hemodiálise.
Mas nada disso impedirá que o sambista, depois de uma década, volte este ano para ver sua Imperatriz brigar pelo bicampeonato. No sábado de Carnaval, véspera do desfile, ele fará uma sessão de hemodiálise. No domingo, segue para a Marquês de Sapucaí e vai virar a noite para assistir da frisa reservada a pessoas com deficiência à sua escola do coração, que encerrará as apresentações, já na madrugada de segunda-feira. Dali, seguirá praticamente direto para a clínica para mais uma sessão de hemodiálise.
“Vicentinho é um exemplo, uma inspiração para pacientes como ele. Não é fácil depender de hemodiálise, ficar três horas preso à máquina a cada sessão. Muitas pessoas em condições semelhantes às deles ficam deprimidas, mas Vicentinho não se deixa abater. Ele espalha sua alegria e vontade de viver para os outros pacientes da clínica de hemodiálise”, elogia a médica do PADI Ana Cláudia Jacob, responsável pela assistência do sambista. Todo o cuidado de Vicentinho é feito pelo SUS, incluindo a medicação. As visitas agendadas dos profissionais do PADI acontecem regularmente, mas sempre que Vicentinho precisa, os “anjos da saúde” estão disponíveis ao telefone para atendê-lo.
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PADI ajuda a acelerar a recuperação e liberar leitos hospitalares
Iniciativa pioneira no Brasil, o serviço do PADI é prestado aos portadores de doenças que necessitem de cuidados contínuos que possam ser feitos na residência, prioritariamente a pessoas com 60 anos ou mais de idade, mas também pacientes de outras faixas etárias. São pessoas com doenças crônicas agudizadas, portadores de incapacidade funcional provisória ou permanente, pacientes oriundos de internações prolongadas e/ou recorrentes, com dificuldade ou impossibilidade física de locomoção, pacientes em cuidados paliativos e outros agravos passíveis de recuperação funcional.
Atualmente, o PADI tem 18 equipes distribuídas por toda a cidade e há 1.108 pacientes em acompanhamento pelo serviço. Em 2023, o programa cuidou de 3.657 pessoas em toda a cidade, fez 64,7 mil visitas domiciliares e 230 mil procedimentos. Os principais benefícios dos pacientes sob cuidados dos profissionais do PADI são a aceleração da recuperação, a redução do tempo médio de internação hospitalar, a liberação dos leitos hospitalares para outros pacientes, a independência funcional, a melhora na capacidade de se cuidar e de ser cuidado no ambiente domiciliar.