
Uma das maiores publicações especializadas em medicina do mundo, a revista britânica “The Lancet” citou a cidade do Rio como um exemplo internacional de resposta a emergências de saúde pública e de assistência em Atenção Primária. Publicado na edição de outubro do jornal, um artigo assinado por pesquisadores de todo o mundo destaca a rede municipal de saúde como um modelo de resiliência frente a desafios como a pandemia de covid-19, as epidemias de dengue e o impacto da violência armada nas unidades. O estudo narra os processos de estruturação e reestruturação da rede de Atenção Primária no Rio, descrita como um elemento importante para a resposta do município na resposta a esses eventos.
A pesquisa foi realizada pela Comissão do Banco Mundial-OPAS e “The Lancet Regional Health – Américas” sobre Atenção Primária à Saúde e Resiliência, composta por pesquisadores vinculados a universidades de todo o mundo, como Harvard e Johns Hopkins, nos Estados Unidos; McGill, no Canadá; Iberoamericana, no México; e FGV e Fiocruz, no Brasil. Financiado pelo Banco Mundial e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/PAHO) e publicado no “The Lancet Regional Health – Americas”, o documento faz uma análise dos países da América Latina e do Caribe, suas particularidades e a atuação da Atenção Primária à Saúde (APS) no combate a doenças e problemas ambientais.
O trabalho destaca a importância da valorização da rede Atenção Primária e da Vigilância em Saúde, um dos pilares da gestão da Secretaria Municipal de Saúde do Rio (SMS). No município do Rio, diz o estudo, a “Atenção Primária à Saúde evoluiu de uma porta de entrada para um centro de resposta, continuidade e inovação”.
Os pesquisadores citam o exemplo da pandemia de covid-19, quando a cidade intensificou o monitoramento epidemiológico e iniciou a recomposição de seus serviços de atenção básica após um longo período de desestruturação. À época, destaca o artigo, “a APS aprimorou seu papel em testagem, rastreamento de contatos, proteção de grupos vulneráveis, manutenção do cuidado de rotina e apoio à vacinação”. O estudo também elogia a atuação na epidemia de dengue de 2024, na qual a rede de Atenção Primária “funcionou como porta de entrada, gerenciando a demanda, identificando casos graves e mantendo cuidados essenciais — como consultas de pré-natal e acompanhamento de doenças crônicas —, reduzindo a pressão sobre os serviços de emergência”.
Rede de Atenção Primária: construção e reconstrução
O estudo mostra que essa capacidade de resposta é fruto de um longo processo de estruturação e de valorização da rede de Atenção Primária, calcadas na Estratégia Saúde da Família. Ele destaca o desenvolvimento do modelo de APS do município, que foi iniciado em 2009 e hoje serve de exemplo para o país.
“A Atenção Primária à Saúde foi reestruturada como a espinha dorsal do sistema por meio da expansão territorial, capacitação de equipes e integração com a vigilância em saúde. Em menos de uma década, a cobertura por equipes de Saúde da Família passou de 3,5% em 2008 para mais de 70% em 2016, atingindo mais de 80% em 2024, com melhorias na mortalidade infantil, hospitalizações evitáveis e controle de doenças crônicas”, diz a pesquisa.
A pesquisa também salienta, no entanto, as consequências da desestruturação da rede de Atenção Primária, observada no período de 2017 a 2020. “No início da pandemia, a APS enfrentou os efeitos do desinvestimento, da falta de pessoal, da escassez de insumos e da fraca preparação para emergências”, diz o estudo.
Protocolo de Calor: destaque internacional
Como resultado desse esforço, os pesquisadores destacam ainda a recente criação do Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo, lançado no início do ano pela SMS em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) e o Centro de Operações Rio (COR). Operacionalizada pela Superintendência de Vigilância em Saúde da SMS (SVS/SMS), a medida é uma resposta às ondas de calor, descritas pelo artigo como um “desafio crescente para os sistemas de saúde”, e se destaca por sua abordagem integrada.
“A cidade desenvolveu um plano de contingência, incluindo postos de hidratação em unidades de saúde e áreas públicas, mapeamento de vulnerabilidade e coordenação intersetorial com defesa civil, educação e serviços sociais — aumentando as capacidades antecipatórias e mitigadoras”, pontua o estudo.
Intitulado “No time to wait: resilience as a cornerstone for primary health care across Latin America and the Caribbean” (“Sem tempo a perder: resiliência como pilar da atenção primária na América Latina e Caribe”, em tradução livre), o artigo é assinado por 32 pesquisadores da área da saúde. A íntegra do trabalho está disponível no link: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2667-193X%2825%2900250-9&fbclid=PAQ0xDSwNHvKFleHRuA2FlbQIxMQABp5cwDVca5XV6xiTE8ueqjZ7EwjFn7ju3JqgsEHay3vZjEOcErE36NQDIKc5H_aem_kPYCjN9Jy5yYwuB2GF7tVA.
Vigilância em ação: o exemplo dos grandes eventos
Essa capacidade de antecipação e mitigação de riscos da Vigilância em Saúde é detalhada em outro estudo recente, que mostra a aplicação prática desse modelo. Em um artigo publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde (RESS), oito pesquisadores de todo o Brasil, entre eles a superintendente de Vigilância em Saúde da SMS, Gislani Mateus, detalham a estratégia de monitoramento epidemiológico da cidade no caso dos eventos de massa.
O estudo descreve como a Vigilância em Saúde atua de forma integrada antes, durante e depois desses eventos, com o objetivo de investigar possíveis impactos à luz dos indicadores epidemiológicos. A íntegra da pesquisa está disponível no link: https://www.scielo.br/j/ress/a/7sTf3tqYFqFFmHXFxyzSwfS/?lang=pt#.